Memórias de um operacional

Summary Recentemente mudei de funções na empresa onde trabalho há já 21 anos. Após 21 anos como operacional de rede, mudei para o departamento de IT (tecn
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Reality is merely an illusion, albeit a very persistent one.

Albert Einstein

 
 

 


Recentemente mudei de funções na empresa onde trabalho há já 21 anos.

 

Após 21 anos como operacional de rede, mudei para o departamento de IT (tecnologias de informação).

 

Não é altura para um daqueles emails de despedida, em que escrevemos o quanto crescemos enquanto profissionais e pessoas graças aos nossos colegas e chefes, e o quanto vamos sentir saudades.


No entanto, penso que faz sentido fazer uma retrospetiva do que foram estes 21 anos de trabalho nas Operações de Rede.

 

Ora vamos lá começar pelo princípio, que normalmente é onde tudo tem início…

 

Num invernoso dia do distante ano da graça de 1967, numa maternidade de Lisboa, nasce um pequeno bebé…

 

Bem, também não tanto. Confessem lá se não estavam já a ficar preocupados 😊. Contudo, como a história nunca se repete mas indubitavelmente rima, o inicio desta aventura teve origem num outro nascimento, este com lugar no não tão distante Dezembro de 2000, viragem do milénio, viragem absoluta no rumo de vida deste vosso amigo. Até essa pequena cabecinha mostrar os seus olhinhos semicerrados no fresco do quarto da Maternidade, a única coisa constante na vida do jovem pai era a inconstância, ela própria. Nunca mais de dois anos a fazer a mesma coisa. Oito anos a fazer investigação e a dar aulas em 4 universidades diferentes em troca de uns papeluchos chamados recibos verdes.

 

Ora os filhos nascem e a vida muda radicalmente e de formas imprevisíveis. Em Fevereiro de 2001, às 8 horas da manhã cedo (só lá estava a malta dos turnos), lá aparecia eu, todo lampeiro, à porta do Datacenter, para iniciar o primeiro dia do resto da minha vida.

 

Vinha eu de uma licenciatura em Engenharia Física no IST e percebia zero, nicles, nada, niente de telecomunicações ou informática. O meu primeiro trabalho foi fazer provisioning na IN. Tarifários e tarifários, e mais tarifários, e cenas do género. Uns meses depois mudava para o Internacional & Roaming onde fiquei um pouco menos de dois anos. Deram-me como praxe tomar conta da máquina de testes de Roaming. Mal sabia eu naquela altura que esta seria a primeira de várias praxes…

 

Algures em fins de 2001 ou inicio de 2002 comecei a fazer as minhas primeiras prevenções. Felizmente as chamadas eram pouco frequentes pois ao inicio não havia suporte remoto (e nessa era do neolítico superior nem sequer tínhamos portáteis). Recordo-me bem de estar a voltar para casa após ter sido chamado numa dada noite e de receber novo telefonema que me obrigou a fazer meia-volta, volver, para o Datacenter we go!

 

Em casa tinha o topo de gama da tecnologia dos tempos: um acesso redis com dois canais, em que dava para ver o número chamador. Que prodígio de tecnologia!

 

Mais tarde haveria de ter inicio o suporte remoto por GPRS… demorava o quê? Dois segundos entre cada carater que conseguíamos escrever na command line?

 

No fim de 2002, mudei-me de armas e bagagens para o grupo de Messaging do B.  Mais uma vez fui praxado. Numa reunião de redistribuição de trabalho cada um de nós ficou responsável por um sistema. Quando dou por mim já todos tinham escolhido o seu. Foi tipo: "voluntários para tomarem conta do MMSC, deem um passo me frente!" Quando olho em volta, tinham todos dado um passo atrás…

 

Em 2003 mudámos para a nova sede.

 

De 2003 até à separação da equipa, uns dois ou três anos decorridos, vivi o período mais intenso em termos de suporte diurno e noturno. Praticamente todas as noite algo dava de si. Ou pelo menos é assim que eu recordo esses tempos. Mas recordo sobretudo o enorme apoio mútuo que existia entre as pessoas no grupo. Como ninguém conseguia dominar toda aquela tecnologia (que crescia assustadoramente em dimensão e complexidade) quando estávamos de prevenção era frequente termos que ligar para o colega que sabia mais do sistema em questão.

 

Vivi vários momentos "trágico-cómicos", repletos de adrenalina e risota. A minha maior proteção sempre foi o humor, por vezes corrosivo, eu sei, mas protetor.

 

Penso que foi na minha primeira prevenção que teve lugar o primeiro streaming de um jogo de futebol. Um evento muito significativo pela visibilidade e pelo gosto nacional pela modalidade, incluindo todo o board, composto na altura sobretudo por benfiquistas ferrenhos. Resolvi ir para o Datacenter em lugar de esperar que o G me chamasse (lembram-se do G "não estavas a dormir pois não"?). Não sei ler nas cartas, nos búzios nem nas bolas de cristal, senão de certeza que estaria mas é em Bora Bora, mas consigo prever com alguma segurança que a probabilidade da bosta atingir o ventilador pode ser grande em determinadas circunstâncias…

 

Ora, a lei de Murphy tarda mas não desaponta. Foi um fim de semana memorável. O serviço de estabelecimento de sessão passava pela WAP-GW. A marota resolveu arriar mesmo no inicio de jogo, julgo eu. A  minha memória prega-me partidas, mas penso que foi isso que sucedeu. Ou seja, quem tinha sessão estabelecida viu o jogo. Os outros não. Para resolver a cena liguei à prevenção do fornecedor. Só que os holandeses queriam que eu fizesse debug e cenas, enquanto que a minha prioridade absoluta era recuperar o serviço. Ou seja, marimbei-me no senhor dos países baixos, e carreguei diretamente nos botões de power de ambas as máquinas (eu era o rookie do grupo, tenham isso em mente, para quem não tinha asas eu arriscava muito…). Foram alguns minutos de uma adrenalina que dariam para completar uma prova de 200 kms sem dificuldade e ainda ficar com trocos para atestar o motor do carro. Mas aquilo lá subiu e ficou OK!!! Bons scripts de inicialização…

 

E as noitadas intermináveis com o B a tentar recuperar os servidores do IMEI Check? Aquilo funcionava na plataforma antiga do SMSC e volta e meia as máquinas iam com os porcos.

 

E os backups do Voice Mail, feitos para tape? (um porradão de máquinas; quando se terminava a última, já era quase altura de começar a primeira novamente…) Não havia Cyber Ataque que limpasse aquilo…

 

E naquela semana fatídica em que foi feito mais um upgrade no MMSC? Enterrado nos quinhentos ficheiros de configuração estava lá um parâmetro de timeout de ligação tcp que passou a ser medido em segundos em lugar de milissegundos. Pumba, as STUCK threads espalhavam-se como covid por todos os servidores do sistema altamente distribuído que era o MMSC (tecnologia java)…

Tivemos que configurar um restart automatico que limpava as threads a cada meia hora antes dos buffers encherem todos. E isto durou uma semana inteirinha até encontrarmos a root cause e corrigirmos o parâmetro…

 

Muito antes do ONC, já tinha a (má) experiência do enorme problema que pode ser um sistema distribuído do tipo SOA com tecnologia java.

 

Foi cerca de 2005 que entraram novas caras com a integração de outra empresa de IT. O L, o R e o M passaram a fazer parta da equipa do P. As equipas foram desfeitas e recriadas. Passei a reportar ao M mas o trabalho continuou a ser muito semelhante, exceto no penúltimo ano em que a Engenharia ficou descapitalizada em sem uma única pessoa para tomar conta do MMSC. Aí eramos Engenharia e Suporte em simultâneo. A fronteira nunca foi muito clara, mas nesse ano dissolveu-se por completo.

 

Passando para 2007: quando já estava completamente estável e não dava nenhum tipo de chatices, foi o ano de migrar o MMSC para itália. O Grupo resolveu largar o fornecedor e montar um sistema centralizado para todos os pequenos operadores.

 

A migração foi uma enorme odisseia, que terminou apenas quase em cima da data do freeze de rede de Dezembro (bem pensado...). O que é certo é que exatamente à meia-noite de 31 de dezembro o sistema foi com os porcos. Nessa altura, se bem se recordam, ainda havia esse hábito arreigado e arcaico de enviar sms e mms na passagem de ano. Tudo muda, como dizia o poeta.

 

Em 2007 mudei-me para a IN.

 

Ou seja: IN -> I&R -> Messaging -> Enablers -> IN novamente. Completava-se o ciclo.

 

De 2007 a 2009 foi o ano de aprender IN em simultâneo enquanto fazia um MBA em regime noturno. Um enorme stress, muitos trabalhos de grupo, muitas apresentações em power-point, muitas noites sem dormir. Até agora ainda não consegui tirar partido dessa formação, mas parece-me que ter esse diploma no CV, juntamente com o diploma do Mestrado em Física Teórica (relatividade e mecânica quântica) feito nos States e ainda o do IST, passando pelos 8 diplomas de Ultra Trails com mais de 160 kms, atestam duas coisas: primeira: não bato bem da pinha; segunda:  nunca vou bater.

 

Quanto ao MBA, tive azar com o timing. Em 2008 começa a crise financeira, depois de no final de 2007 ter rebentado a bolha imobiliária nos EUA. Lembram-se da crise dos CDS (credit default swaps)?

 

Em 2007 foi também o ano em que surgiu o projeto C. O projeto C era a introdução do primeiro serviço IN sobre uma rede IMS, o serviço ADSL, tal como ficou conhecido. Na verdade o serviço era agnóstico ao acesso. Recordo-me bem de ir com o R para o Datacenter, onde trabalhavam os moços do fornecedor.

 

Em 2009 nasceu o serviço O. A IN deixava de ser apenas um serviço maioritariamente virado para o consumo e passou a focar-se mais decisivamente no empresarial.

 

O O. é uma solução pioneira de convergência entre serviços de comunicação móveis e fixos, que teve início no desenvolvimento in-house do serviço ADSL e que depois passou para fornecedor.

 

A D e a S foram as primeiras a abraçar esse desafio.

 

Eu comecei em Dezembro de 2009. De 2009 até hoje muitas aventuras ocorreram nesse mundo em constante e forte crescimento que foram os serviços empresariais do CORP.

 

No princípio tínhamos uma relação muito próxima com a equipa de desenvolvimento do fornecedor. Alguma dúvida ou reporte de bug, ou ponto de situação, e era só descer uns andares e lá estavam eles para nos ajudar. Penso que foi um dos períodos mais recompensadores em termos de aprendizagem e relação com o fornecedor.

 

À medida que o serviço foi crescendo as dificuldades foram aumentando e o distanciamento relativamente ao fornecedor aumentou. Deixou de ser fácil ter acesso direto aos developers, a menos que fosse por portas travessas.

 

Em 2014 ocorreu mais um marco verdadeiramente "marcante", perdoem o pleonasmo. Foi lançado o novo portal. Do simples ngpp, montado em algumas máquinas windows server passámos para uma estrutura tipo SOA (lembram-se do MMSC?...) montada em várias máquinas virtuais na Cloud.

 

E que tempos heróicos foram esses…

 

Em 2014 houve outro marco no grupo, que foi a entrada do L, e em 2015 a da M, se não estou enganado nas datas.

 

O P saiu e o R subiu a Manager.

 

Pouco depois da M entrar para team líder, no verão de 2015, tivemos um upgrade do AS particularmente notório. Foi quando foi introduzido o múltiplo PANI no AS. Uma tabelinha nova na TT em que uma flag in-use  era atualizada sempre que um terminal se registava num acesso diferente. O problema é que no código esqueceram-se de uma where clause para limitar o update a apenas uma linha. O resultado é que a tabela inteira, com centenas de milhares de registos, era atualizada por completo a todo o instante. Resultado, assim que levantámos o AS, pelas 5 da madrugada de um sábado de má memória, a BD arriou logo. E arriava em ambos os nós redundantes devido à replicação. Logo, deixou de haver serviço. Em breve já estávamos a receber chamadas dos accounts, a reportarem queixas de grandes contas. Serviços críticos. Apesar de tudo penso que não demorámos mais de uma hora a recuperar o sistema. Mas que foi uma excitação isso foi…apesar de tudo uma coisa é não conseguir ver um jogo da bola, outra muito pior é afetar serviços críticos empresariais, sejam eles empresas ou serviços do estado.

 

E assim ao correr do vento, de 2015 até hoje, o tempo parece que acelerou. Os serviços foram crescendo, a complexidade foi aumentando, e os recursos… bom os recursos aumentaram em conhecimento e estaleca. Pouca gente se apercebe, mas a explicação para que os mesmos grupos de pessoas continuem a conseguir suportar uma complexidade cada vez crescente, tanto em tecnologia com em base de clientes, é simples: muito trabalho de bastidores feito a automatizar processos, a criar ferramentas, a otimizar os serviços, dentro do âmbito de atuação possível, a melhorar a comunicação e interação com as outras equipas, etc.

 

Os próprios grupos vão-se tornando mais entrosados. As pessoas sabem que em equipas pequenas todos dependem de todos. E todos somos complementares. Uns têm mais talento e propensão para umas coisas outros para outras. Mas todos fazem falta. Posso dizer com orgulho e sem risco de me enganar, que no CORP conseguimos criar um espírito de entreajuda e complementaridade que nos permitiu sobreviver a tantos desafios.

 

A minha experiência é que a própria empresa foi ficando mais coesa, o que se notou bem quando a sua própria existência foi ameaçada, muito recentemente.

 

Sem relações humanas fortes nada se consegue. A minha experiência pessoal é que na sua grande maioria as pessoas são bem intencionadas e têm brio e orgulho no seu trabalho. Ao fim e ao cabo, algo que nos ocupa pelo menos 40 horas semanais tem que nos fazer algum sentido, para além de pagar as contas ao fim do mês (que também faz muita falta, que eu pessoalmente ainda vou gostando de comer e beber numa mesa e dormir numa cama…).

 

Eu gosto de relações fortes, intensas, conflituosas, com espaço para a queda e a redenção. Com o silêncio não se consegue nada, para além daquelas relações de casais muito fartas: aquelas em que marido e mulher se cruzam no corredor e tudo o que têm para dizer é estarem fartos um do outro.

 

Se calhar por vezes devia coibir-me de fazer comentários do tipo: "aqueles só usam o cérebro para arrefecer o sangue…" mas é mais forte do que eu, e na verdade isso não espelha aquilo que eu verdadeiramente penso acerca das pessoas.

 

O que eu acho é que, na expressão inolvidável do L: "são pessoas a serem pessoas". Pessoas em todo o seu esplendor e na plenitude das suas misérias, incluindo eu próprio, claro está.

 

Tento ou pelo menos gostaria de ser tal como me descrevo no meu blog de corrida:

 

"Corredor de montanha por paixão, cientista de formação, engenheiro por necessidade, amador da palavra escrita. As pessoas são o fenómeno mais intrigante do universo: contraditórias, vastas, profundas, capazes de conter tudo e o seu contrário. A vida é uma enorme, louca e bela aventura, que nos dá uma única oportunidade para trilhar o caminho. Há que aproveitar ao máximo."

 

E eu tenho tido o privilégio de privar com pessoas fantásticas. Em todas as equipas por onde tenho passado e por todas as equipas com quem tenho interagido. Pessoas fora de série a nível profissional mas também a nível pessoal. Que são capazes de dar do seu tempo para ajudar um colega, ou para solucionar o problema de um cliente.

 

Trabalhar nas operações é um trabalho muito desafiante, duro e pouco reconhecido. Se fosse mais reconhecido, ver-se-iam pessoas a mudar da engenharia para as operações e não o contrário.

 

Mas dá cá uma tarimba! Acho que deveria ser uma enorme mais valia no CV.

 

Neste relato existirão com certeza muitas imprecisões, nas data e nos acontecimentos. A memória tem filtros muito seletivos, e na verdade não é de todo uma tela em que os eventos passados são projetados tal como sucederam. É antes uma tela onde recriamos o passado com base em todas as experiências que tivemos desde então. Daí que para duas pessoas diferentes, mesmo o passado comum é sempre algo distinto. Mas, dito isto, há sempre muitos elementos que unem.

 

 


 

 

 

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