Os deserdados da sorte.

Views E trabalhar doze horas por dia durante 4 meses entre os deserdados da sorte? Aprende-se mais do que a fazer a recruta na tropa.

Aos 18 anos apanhar um avião para Newark nos EUA e ficar a morar numa cave alugada sem janelas, partilhando um de dois quartos com dois adultos de 40 anos praticamente iletrados com fracas perspectivas de vida mas de uma tenacidade e resiliência admiráveis.
Acordar seis dias por semana às 05:45 para apanhar uma carrinha que nos leva para um armazém a uma hora de distância onde começamos por carregar um caminhão com cofragens de madeira e ferro que pesam cada uma 30 kilos e nos arrancam a pele dos braços até fazer sangue. Arrancar com o caminhão e demorar meia hora até chegar ao empreendimento onde se constroem as vivendas dos abastados.
Só aí chegados, cerca das 7:30 da manhã, é que o relógio começa a contar. Primeira coisa a fazer é descarregar do caminhão as 40 tábuas de 30 kilos para depois passar óleo reciclado para que o cimento não adira à madeira. Por esta altura já estamos quase negros de tanta sujidade. A seguir montamos as cofragens à força do martelo. Nos primeiros dias a cada martelada parece que o pulso vai saltar. A meio do dia tiramos 30 minutos para comer uma sandes e um iogurte. À tarde chega o caminhão com o cimento. A partir daí temos que puxar o cimento (grosso e com gravilha) à pasada para dentro da cofragem.
Saímos do local cerca das 19:00 da tarde. O relógio para de contar nessa altura. Depois é mais meia-hora até ao armazém onde temos que descarregar o caminhão "pro bono". A seguir a carrinha leva-nos de volta para Newark onde chegamos cerca das 21:00.
Comemos rapidamente para nos deitarmos o mais depressa possível pois amanhã o ciclo recomeça impiedosamente. Na cama não conseguimos fechar as mãos e sentimos cada articulação a inchar de dor.

O meu nome passou a ser António, pois é esse que consta do cartão de contribuinte para o qual estou a descontar 2,5 dolares dos 8,5 que me pagam à hora. A companhia é detida por dois irmãos da zona da Murteira Cadaval, os quais contrataram conterrâneos analfabetos que vinham fugidos de uma vida ainda mais dura na agricultura.

O homem é o carrasco do homem.

No entanto a esperança encontra sempre um caminho por onde medrar.

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