26ª Maratona de Lisboa
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Crónica de uma conquista anunciada.
Há já um ano que tinha como objectivo baixar das 3 horas na mítica distância da Maratona.
Tinha-o tentado no Porto em Novembro de 2010 e novamente em Lisboa em Dezembro do mesmo ano.
No Porto fiquei-me pelas 3:09, com parciais de 1:33 + 1:36. Em Lisboa quedei-me pelas 3:13, com parciais de 1:31 + 1:42. Nesta última, ao início ainda tentei seguir a bandeirinha das 3 horas, mas cedo abandonei esse propósito. Ainda assim, consegui fazer a primeira metade em 1:31, o que ainda permitia manter a esperança no sucesso. No entanto, a dureza da prova, conjugada com as condições meteorológicas adversas e a falta de preparação para um tão ambicioso objectivo, levaram a que eu quebrasse na longa subida da Almirante Reis. Paciência, o desafio teria que ficar para o esperançoso ano de 2011.
Entretanto comecei a preparar-me para os 101 km de Ronda, para os 70 km da Freita e para os 78 km do Swissalpine, e não voltei a pensar na Maratona. Esse “bichinho” não tornou a atormentar-me até concluir os trilhos do K42, na Serra da Lousã, a 8 de Outubro deste ano.
Uma prova de Trail tem características completamente diferentes de uma Maratona de estrada. No Ultra-Trail trata-se, sobretudo, de resistir ao desgaste acumulado, em mais de uma dezena de horas passadas a correr em pisos com variados graus de tecnicidade e com desníveis acentuados. Numa Maratona o que conta é conseguir manter um regime elevado, em percursos relativamente lineares, durante algumas horas. Ambos os tipos de provas representam grandes desafios, sobretudo quando empreendidas no limiar da capacidade individual, independentemente da performance de cada um.
Quando entro numa prova, realizo-a sempre no limiar da minha capacidade, para que quando termine não me sobrem dúvidas se poderia ter feito melhor. Muito portuguesmente, “ou vai ou racha!” É uma opção pessoal, nem melhor nem pior do que qualquer outra, mas é a minha.
Assim que terminei o K42, teve início a minha preparação para as Maratonas do Porto e de Lisboa. No entanto, como não consigo resistir a estes “chamamentos da natureza”, inscrevi-me nos 42 km do Grande Trail Serra D’Arga, que teriam lugar no dia 23/10, duas semanas antes da data da Maratona do Porto. Todavia, a prova acabou por ter apenas 20 km devido às condições meteorológicas, que obrigaram a organização a encurtá-la. Apesar do desapontamento, essa mudança até foi vantajosa para mim, pois permitiu-me retomar a preparação para a Maratona mais repousado.
Já descrevi, noutro post, a minha experiência no Porto em 2011, mas deixo aqui o resumo do que aconteceu. Parti confiante que seria dessa que iria cumprir o meu objectivo. Realizei a quase totalidade da prova à frente do balão das 3 horas. No entanto a partir dos 30 kms comecei a acusar o desgaste, dei o meu melhor, mas fui por fim ultrapassado pelo balão, a apenas 2 kms da meta. Tinha tido o objectivo tão próximo e no entanto vi-o escapar-se-me por entre os dedos. Atravessei a linha de chegada em 3:00’53’’, 53 míseros segundos demasiado tarde…
Não me deixei esmorecer e, nas 4 semanas que me restavam para Lisboa, intensifiquei a minha preparação. Incluí pela primeira vez séries no meu “plano de treinos.” Na verdade, esse “plano” consiste, basicamente, em fazer um longo, durante o fim-de-semana, natação uma vez por semana e correr rápido nos outros dias (agora reforçado com as séries). Também não tomo suplementos alimentares mas procuro fazer antes refeições equilibradas (peixinho, sopa de legumes, leite e frutos secos fazem milagres).
Gosto de usar as provas, em ambiente de competição, para treinar de uns eventos para outros. Motivam-me para me superar. Assim, corri pela primeira vez a Meia Maratona de Nazaré e ainda fiz o VI G. P. da Arrábida.
Na véspera do grande dia, deitei-me cedo. De madrugada, acordei despertíssimo, sem necessitar de relógio, cerca das 5 horas. A adrenalina já corria nas veias. Tomei um pequeno-almoço de fruta e torradas com mel e preparei o material habitual para estas lides: 6 géis de 41g, o Garmin, as meias de compressão, os ténis adidas levezinhos, o chapéu para evitar o sal nos olhos e, com imenso orgulho, a novíssima camisola dos Run 4 Fun.
Saí de casa e corri 2 km até à estação do Oriente. Serviria como aquecimento. Aí apanhei o metropolitano, onde encontrei o César Moreira, entusiasmado com a perspectiva de completar a sua primeira Maratona. Chegados ao Estádio 1º de Maio, encontrámos logo a malta da camisola laranja, bem visíveis e animados.
RUN 4 FUN |
Deixei o saco com a muda de roupa junto da organização e encaminhei-me para o local da partida. Posicionei-me cedo na linha de partida, pois sabia que, se queria cumprir o meu objectivo, todos os segundos contavam. Baseado na minha experiência do ano anterior, sabia que Lisboa seria uma prova mais dura que o Porto. Eu teria que ser mais forte do que 4 semanas antes. Na partida juntaram-se-me o Olivier Delmotte (na sua estreia), do Clube Vodafone, o Orlando Ferreira (já experiente maratonista) e o Carlos Silva, dos Pumas do Guincho, que vinha de fazer um tempo excelente na Meia Maratona da Nazaré.
Dado o tiro de partida, arranquei com força, pois gosto de me libertar do grupo compacto para evitar atropelos. Assim, fiz logo os 2 primeiros kms abaixo dos 4’00’’/km e deixei para trás a bandeirinha das 3 horas. Ao 4º km reduzi o ritmo, pois não convinha começar a acumular acido láctico tão cedo na prova.
Ainda me mantive à frente da bandeira até entrar no Campo Grande, onde fui apanhado pelo pelotão de cerca de 15 atletas que se moviam em uníssono com a “lebre” das 3 horas. Deste ponto até à Praça do Comercio fui por vezes adiantado em relação a este grupo e noutras vezes no seu seio. Esta primeira metade da Maratona engana um pouco e tem algumas variações de altimetria que ocasionam variações de ritmo. Eu tenho tendência a aproveitar as descidas para acelerar, uma vez que o meu ritmo cardíaco não se ressente.
Grupo da Bandeira das 3 horas |
Os minutos e os quilómetros foram passando até que finalmente chegámos a Santos e, guiados pela bandeira, qual Gil Eanes a dobrar o Cabo Bojador, atravessámos a marca da Meia Maratona, com um registo de 1:28, ou seja com 2 minutos de folga. Tive a primeira oportunidade, de muitas, de rever os rostos alegres e encorajadores dos companheiros Run 4 Fun. Relembro o João Ralha, sorridente quando me viu passar. Pouco depois teria início a prova da Meia Maratona, em que duas dezenas de laranjinhas tomaram parte.
Avançámos a bom ritmo até cerca do quilómetro 28, já perto de Álges, onde invertemos o sentido e voltámos na direcção da Praça do Comercio. Até aqui continuava a sentir-me bem, mas confesso que se não fosse o grupo da bandeira teria provavelmente fraquejado. O andamento rápido, que a “lebre” continuava a imprimir, permitiu-me permanecer na rota correcta.
A partir daqui cruzei-me várias vezes com companheiros Run 4 Fun e de cada vez que isso acontecia recebia palavras de encorajamento, o que me fazia acelerar um pouco o passo. Em prova alguma ouvi tantas vezes gritado o meu nome. Com 15 participantes na Maratona, 20 na Meia Maratona e 20 nas Estafetas, e ainda um numeroso grupo de entusiásticos apoiantes, a cor laranja estendia-se ao longo de toda a Avenida da Índia e 24 de Julho. Deste ponto em diante, foi cerrar os dentes e manter, sempre manter, o ritmo, para segurar a folga necessária, a fim de ter tempo de subir a Almirante Reis, o meu Everest.
Cruzei-me com o António Cruz, que aparecia em toda a parte para tirar fotografias aos esforçados atletas.
Chegámos novamente à Praça do Comércio, percorremos a Rua da Prata e iniciamos a tão temida subida da Almirante Reis. Esperavam-nos 6 duros quilómetros a subir. Cerrei ainda mais os dentes e fui buscar à minha reserva mental as forças necessárias para manter um ritmo abaixo das 4’30’’/km, deixando para trás o grupo da bandeira.
O objectivo começou a materializar-se. Já sentia a meta a aproximar-se. Mais algumas centenas de metros e entrei no estádio. Percorri os duzentos metros finais num sprint louco para tentar ficar ainda dentro do minuto 57. E, finalmente, lá consegui cortar a meta em 2:57’58’’.
Meta! |
As longas horas de treino, a difícil restrição alimentar e a mentalização positiva tinham-se concretizado no resultado pretendido: a barreira das 3 horas tinha finalmente caído! Sentia-me exultante de alegria!
Fui buscar o saco com a muda de roupa, recebi uma massagem relaxante e juntei-me ao animado grupo Run 4 Fun que se ia agrupando nas bancadas do estádio. Celebrávamos com enorme entusiasmo a chegada de cada atleta. Permanecemos inamovíveis até à chegada do último Run 4 Fun.
Por fim, terminada a festa, regressei para minha casa, para a minha família, que sempre me apoiou ao longo dos anos e a quem tudo devo.
“Uma vez que nos espera uma longa vida, mais vale viver esse tempo cheio de vitalidade, com objectivos bem claros em mente e perseguindo com firmeza as nossas metas, do que atravessar os anos que nos esperam no meio do nevoeiro. Nessa perspectiva, julgo que correr constitui uma verdadeira ajuda. A essência da corrida consiste em nos obrigar a dar tudo por tudo, dentro dos nossos limites. E isso funciona como uma matáfora da própria vida (…)”
Haruki Murakami, "Auto-retrato do escritor enquanto corredor de fundo."
Parabéns por mais um objectivo conseguido, pela força e pela persistência! Um exemplo e uma inspiração.
ResponderEliminarGrande Luis,
ResponderEliminarMais uma memorável corrida e um belíssimo post.
Bebi as tuas sapientes palavras e aprendi hoje mais qualquer coisa com este texto.
Não me querendo repetir sempre que comento estes teus feitos, volto a insistir que És uma grande inspiração e que demonstras uma determinação e capacidade atlética fora do comum.
Gostei do pormenor do sprint final para o minuto 57, já estavas a pensar na próxima!
Obrigado pela partilha e continua com este espírito porque ninguém sabe quem te parará.
Abraço,
NDA
Os meus parabéns
ResponderEliminarExtra-Terrestre. Parabéns! Não consegui ler o texto todo, penso que li as partes mais importantes e aprendi de novo algo com as tuas aventuras. Já sabia que a mente nos predispõe a chegar a sítios antes inalcançáveis, tu confirmas e aproveitas para inspirar os outros. Gosto em particular da passagem do Murakami. Um abraço!
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