Andorra Ultra Trail VallNord - Ronda dels Cims 2019 - 3º dia.

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Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.
 - Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"









De Inclés até à meta faltam apenas 27km.

Vamos ter que ultrapassar a Cresta de Cabana Sorda e a Collada Meners.

Saio da tenda. Cá fora está fresco mas não demasiado. Ainda bem, porque tenho ainda duas subidas tramadas para fazer, e se estiver calor será muito pior.

Entretanto uma urgência repentina se instala. É a chamada da natureza. No entanto não vislumbro qualquer local onde possa existir algum recato a fim de cumprir sossegadamente essa função. Também não posso aguardar, que a urgência é grande.

Onde fazer?

O campo é quase completamente descoberto, e do lado oposto do trilho existe um parque de campismo.

Estou num dilema. Ou fico visível para o trilho ou fico visível para o parque de campismo. A escolha acaba por ser fácil. Os veraneantes não conheço nem voltarei a ver. No trilho poderá passar gente conhecida.

E assim cumpro a função, que há coisas que não se podem evitar.

Sinto-me muito melhor. Volto ao trilho e começo a subir vigorosamente. Esta horita de sono fez milagres por mim. Esta madrugada quando cheguei ao abastecimento parecia morto, incapaz de dar sequer mais um passo. Agora estou ótimo! As pernas respondem, não sinto dores. Maravilha!

Agora tenho por fim a certeza absoluta de que chegarei ao fim, dentro do tempo limite.

Há que subir 8000 mD+ até chegar à Cresta de Cabana Sorda.
Se não tivesse repousado, não sei bem como seria capaz de fazer isto. Talvez fizesse, mas muito mais lentamente.

















A subida é longa, mas o ânimo também é grande.

Às 10h18 chegamos ao Refugi Coms de Jan, km 150. Estou na 158ª posição, após 51h18 de prova.

Nunca tinha estado tanto tempo em prova. Nem sequer nos 215 km do VCUF.

Até aqui a velocidade média é de 2,9 km/h.

Faltam-me cumprir 20 km até à meta

No refúgio alimento-me bem como de costume.

No entanto tenho um percalço caricato.

Vejo umas mini-sandes de queijo dentro de um recipiente e estendo a mão para ir buscar uma. A voluntária impede-me dizendo que há mais na mesa e estes ainda estão em preparação. Removo a mão, só que entretanto já tinha tocado ao de leve numa das sandes.

Ela diz-me que então mais vale comer aquela, uma vez que já lhe tinha tocado. Encho-me de espanto.

Ela de facto não deve fazer ideia do que é uma prova de trail. Todos os alimentos que estão em cima da mesa já terão sido tocados por inúmeros atletas. Sobretudo os frutos secos que são recolhidos à mão-cheia.

E saberá ela onde já estiveram as mãos de todos estes camaradas? Os locais onde aplicaram vaselina? Numa prova, esse tipo de considerações de higiene vão pela janela. O que queremos é ingerir calorias e nutrientes que nos levem até ao próximo abastecimento. O resto não interessa para nada.


Mas voltemos à história.

A próxima subida são cerca de 400 mD+ até Collada Meners.









Chego à Collada Meners.

Pronto, as subidas estão feitas. Resta apenas descer para Ordino, passando pelo Refúgio de Sorteny. 













Chego a Refugi de Sorteny às 13h24, após 54h24 de prova.

Estou em 154º lugar.

Está imenso calor.

Como fruta e refresco-me. 

10 minutos depois de chegar, estou sentado dentro da cabana, a preparar-me para prosseguir, quando assoma à porta a cara sorridente da Sandra!

Não estava nada à espera de a ver por aqui. Contava que me fossem receber mais abaixo, mas no último abastecimento não.

Foi uma enorme alegria! E logo a alegria duplicou quando apareceu também o Rui. Perguntaram-me como estava, se precisava de algo, e disseram-me que eu era o seu herói.

Se eles não tivessem aparecido, possivelmente eu faria os últimos 12 km a andar. Mas o ânimo que me incutiram fez com que conseguisse um trote razoável.

Fui-os revendo em mais pontos adiante, juntamente com a Carla, o António, O Jorge, a Elsa, o Gonçalo. Animaram imenso este último troço.























E pronto, terminei os 170 km & 13.500 mD+ de Ronda dels Cims em 57:00:34 (3 km/h), ladeado pelos meus amigos e companheiro de equipa do RUN 4 FUN.

Há lá maior felicidade?






































 

 

 

 

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