Luigi Pirandello - Um, ninguém e cem mil

Summary "Um, ninguém e cem mil" de Luigi Pirandello é uma obra fascinante que mergulha profundamente na complexidade da identidade e percepção pessoal. Como v
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"Um, ninguém e cem mil" de Luigi Pirandello é uma obra fascinante que mergulha profundamente na complexidade da identidade e percepção pessoal. Como você mencionou, Pirandello exibe um conhecimento profundo dos meandros da alma humana e dos paradoxos da vida social. Esta obra em particular é uma exploração magistral dessa dissonância entre o nosso "verdadeiro eu" e como somos percebidos pelos outros.


O que torna a escrita de Pirandello tão impactante é a sua capacidade de entrelaçar o concreto com o metafísico e o epistemológico. Ele não apenas descreve a interação humana, mas também questiona e explora os limites do que é possível conhecer e entender sobre nós mesmos, sobre os outros e acerca de interação humana.

A obra aborda a ideia de que cada pessoa tem uma multiplicidade de identidades, cada uma criada pela percepção de outra pessoa. Essa visão de que existem tantos 'eus' quantas são as pessoas que nos conhecem coloca em questão a própria noção de uma identidade fixa e única. Como Pirandello habilmente demonstra, nossa autoconceção está frequentemente em conflito com as múltiplas imagens que os outros têm de nós. Esta obra retrata a dissonância profunda entre aquilo que percecionamos ser o nosso "verdadeiro eu", e aquilo que é aos olhos de cada um dos outros indivíduos e da sociedade como um todo. Magistral!

"A ideia de que os outros viam em mim alguém que não era o 'eu' que eu conhecia, um 'eu' que apenas eles podiam conhecer, ao olharem para mim de fora, com olhos que não eram os meus, olhos que me conferiam um aspeto destinado a permanecer sempre estranho a mim, embora fosse um aspeto que estava em mim, um aspeto que era meu para eles (um 'meu', quer dizer, que não era para mim!)—uma vida na qual, embora fosse a minha, eu não tinha poder de penetrar—esta ideia não me dava descanso."

"E agora, veja só o que me aconteceu! O facto era que eu não me conhecia a mim mesmo, não possuía para mim qualquer realidade própria, mas estava num estado constante de fusão semi-fluida, semi-moldável; os outros conheciam-me, cada um à sua maneira, de acordo com a realidade que me haviam conferido; ou seja, eles viam em mim um Moscarda que não era eu, na medida em que eu, propriamente dito, não era ninguém para mim mesmo; havia tantos Moscardas quantos eram os outros indivíduos, e todos eles eram mais reais do que eu, que não tinha, repito, qualquer realidade, no que me dizia respeito."

"Porque aquele Gengè dela existia, enquanto eu, para ela, não existia de todo, nunca tinha existido. A minha realidade para ela residia naquele Gengè que ela havia moldado, um ser com pensamentos, gostos e emoções que não eram meus, e que eu nunca teria conseguido alterar no mínimo que fosse, sem correr o risco de me tornar imediatamente num outro ser que ela não teria reconhecido, um estranho, que ela já não seria capaz de compreender ou de amar."

"Então pensas, não é, que apenas as casas são construídas? Estou constantemente a construir-me a mim mesmo e a construir-te a ti, e tu estás a fazer o mesmo, inversamente. E a construção dura enquanto o material das nossas emoções não se desmorona e enquanto o cimento da nossa vontade se mantém firme. Por que pensas, de outra forma, que a firmeza de vontade e a constância de sentimento são tão recomendadas a ti? Deixa a vontade vacilar um pouco, deixa as emoções alterarem-se por um fio de cabelo, sofrerem uma mudança ainda que ligeira, e adeus à realidade como a conhecemos! Tornamo-nos imediatamente cientes de que não era nada mais do que uma ilusão da nossa parte."

Os trechos citados ilustram perfeitamente essa temática. A percepção de que os outros veem uma versão de nós que é inacessível e estranha para nós mesmos é um pensamento inquietante e revelador. Essa ideia de que somos um mosaico de identidades, cada uma dependente da perspectiva de outra pessoa, é tanto intrigante quanto perturbadora.

A obra de Pirandello, portanto, não é apenas uma narrativa fascinante, mas também um convite à reflexão sobre a natureza fluida da identidade e sobre como somos moldados tanto por nossas próprias percepções quanto pelas percepções dos outros. É, de fato, uma leitura magistral que permanece relevante e provocativa.

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