A Máquina da Felicidade

Summary O Dr. Horácio Gralha, um homem cuja genialidade rivalizava apenas com a sua completa falta de noção social, trabalhava há anos numa invenção revolucio
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A Máquina da Felicidade

O Dr. Horácio Gralha, um homem cuja genialidade rivalizava apenas com a sua completa falta de noção social, trabalhava há anos numa invenção revolucionária: a Máquina da Felicidade. Alimentado por uma mistura de vaidade, ciência medíocre e uma obsessão infantil em ser amado por todos, Horácio acreditava que resolveria o maior problema da humanidade: a tristeza.

A Máquina da Felicidade, instalada num laboratório improvisado na cave do Instituto de Estudos Irrelevantes, era um emaranhado de fios, luzes intermitentes e um teclado de computador que raramente funcionava. Prometia, segundo o seu criador, "reiniciar os circuitos emocionais humanos", eliminando a infelicidade de uma vez por todas. O único detalhe que Horácio ignorava, ou preferia não admitir, era que nunca tinha testado o dispositivo num ser humano.

"É simples!" explicava ele, gesticulando freneticamente para uma sala cheia de cobaias humanas voluntárias – que, na verdade, eram apenas os zeladores e funcionários do instituto, enganados com promessas de um almoço gratuito. "Entra-se, carrego neste botão, e voilà! Nunca mais uma lágrima, uma preocupação, ou uma segunda-feira cinzenta. Apenas felicidade eterna!"

"Mas, doutor," interrompeu Margarida, a recepcionista cética que só ali estava porque tinha perdido ao jogo do par-ou-ímpar. "O senhor já testou isto em algo que não seja um rato?"

"Ah, Margarida," respondeu Horácio, com o tom paternalista de quem explica física quântica a uma toupeira. "Ratos são seres simples, e estão muito felizes! Quer dizer, dois sobreviveram, o que já é um avanço estatístico enorme!"


No dia da inauguração oficial da Máquina da Felicidade, a sala estava cheia de jornalistas, curiosos e um inspetor da câmara municipal, que apenas apareceu para avisar que o edifício não tinha licença para alojar "armas emocionais potencialmente perigosas". Ignorando as formalidades, Horácio escolheu um voluntário ao acaso – que, por azar, foi o Sr. Gervásio, o idoso que visitava o instituto apenas para usar a casa de banho limpa.

"O que está a acontecer?!" protestou Gervásio, enquanto era empurrado para dentro da câmara metálica que mais parecia um micro-ondas gigante.

"Está prestes a ser a pessoa mais feliz do mundo, caro Gervásio!" gritou Horácio, fechando a porta com um clang metálico.

A plateia prendeu a respiração enquanto Horácio pressionava o botão com entusiasmo. A máquina começou a vibrar, emitiu um som que lembrava um gato a engasgar-se, e, de repente, soltou uma luz brilhante.

Quando a porta se abriu, Gervásio saiu com um sorriso tão largo que parecia desconfortável.

"Como se sente?" perguntou Horácio, triunfante.

"Maravilhoso!" gritou Gervásio, saltando como uma criança de cinco anos. "Nunca me senti tão feliz na vida!"

Mas havia algo estranho no comportamento de Gervásio. Começou a rir descontroladamente de coisas sem graça – um extintor de incêndio, uma planta morta num canto da sala, até mesmo a gravata de Horácio. Em seguida, abraçou as pessoas, esmagando-as em gestos de amor tão exagerados que até os mais pacientes começaram a suar de desconforto.

"Doutor," sussurrou Margarida. "Acho que há algo errado com ele."

"Tretas!" disse Horácio, sorrindo de orelha a orelha. "É o que chamamos felicidade máxima! Ele é o exemplo perfeito de que a máquina funciona!"

Mas então Gervásio, ainda a rir, decidiu que todos deviam ser felizes também. Começou a empurrar pessoas para dentro da máquina. O primeiro "tratado" foi o próprio inspetor da câmara, que saiu a cantar óperas imaginárias e a tentar beijar as bochechas de estranhos. Depois foi a vez de Margarida, que se transformou numa missionária da felicidade compulsiva, perseguindo os jornalistas com abraços sufocantes.

Em poucos minutos, o laboratório transformou-se num caos. Pessoas corriam pelas saídas de emergência, jornalistas escalavam janelas, e Gervásio tentava empurrar um carrinho de café para dentro da máquina, gritando: "Até os objetos inanimados merecem ser felizes!"


Enquanto o tumulto aumentava, Horácio começou a perceber o desastre que criara. "Talvez tenha calculado mal a intensidade da felicidade," murmurou, tentando ajustar os controlos da máquina. Mas, antes que pudesse fazer algo, Margarida agarrou-o e empurrou-o para dentro da câmara.

"Chegou a sua vez, doutor!" disse ela, com um sorriso que parecia colado na cara.

Quando Horácio saiu da máquina, transbordava felicidade. Subiu ao palco improvisado e declarou, com os olhos brilhantes: "Pessoal, somos todos maravilhosos, incríveis, e... e..." Fez uma pausa, olhando ao redor para o laboratório em ruínas. Então começou a chorar – mas de felicidade, claro.


Epílogo

A Máquina da Felicidade foi confiscada pelo governo, que tentou usá-la como arma diplomática. Contudo, após uma conferência internacional onde todos os líderes mundiais acabaram a dançar polcas em conjunto, o projeto foi abandonado.

Horácio Gralha, agora um homem permanentemente feliz, escreve livros de autoajuda que ninguém entende, porque estão cheios de exclamações e emojis. Margarida fundou uma igreja dedicada à felicidade compulsiva, enquanto Gervásio foi visto pela última vez a abraçar postes de iluminação em parques públicos.

E assim, o mundo continuou, ligeiramente mais caótico e, de certa forma, um pouco mais feliz – ou pelo menos mais confuso. Afinal, como dizia Horácio: "O importante é sorrirmos... mesmo que tudo esteja a arder!"


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